sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Um mundo sem tradutores


um livro sem palavras,
um filme sem legenda,
um computador sem comandos,
um contrato em branco,
um rótulo sem instruções,
um jogo sem regras,
uma apostila sem informações,
um jornal sem notícias,
um brinquedo por montar:
um mundo sem tradutores.










quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Dá para "virar" tradutor?

Uma colega iniciante me escreveu perguntando sobre como uma bióloga se transformou em tradutora, como entrar no mercado, como fazer uma pós em Letras e outras informações.
Para poder responder devidamente, acabei escrevendo uma "historinha" para ela, e espero que você nos acompanhe.

Bem, não tenho a receita do bolo, mas vamos lá.
Eu me formei em biologia há muito tempo atrás, mais exatamente em 86 (não faça cálculos!).
Trabalhei com pesquisa em biologia só na faculdade, fui professora de ciências e biologia em escola de classe A, de classe E, e em uma escola para pessoas surdas.
Durante todo o curso de biologia eu estudava italiano, primeiro em um grupo de estudos, depois em cursos livres. E continuei estudando, nunca mais parei. Tenho que reforçar essas duas coisas: continuei estudando (é, estudando mesmo, de sentar cercada de livros e gramáticas e exercícios e músicas, não somente frequentando aulas) e nunca mais parei (nunca, nunquinha).  Em maio deste ano eu terminei meu mestrado em italiano, antes disso, ainda em Porto Alegre, cheguei a frequentar dois anos da faculdade de Letras – Italiano na UFRGS, e lamentei ter que parar. Isso porque eu gosto de estudar. Acho melhor confessar, mesmo: eu sou viciada em estudar, em pesquisar.

Para você ter uma ideia, lá pelas tantas, quando o curso de italiano estava encrespando, com aquele monte de tempos verbais, resolvi voltar a estudar português. Aproveitei umas férias de dureza absoluta e fiquei na casa de praia dos meus pais, por dois meses, estudando. De manhã, ia à praia e aproveitava as “férias” e o sol. Depois do almoço, uma sonequinha rápida e lá ia eu com os meus livros e papéis, sentava e estudava português como se fosse um arqueólogo estrangeiro querendo decifrar as minúcias de uma ossada de um animal nativo.
Depois disso, chegou a crise dos sete anos de profissão, ganhei uma bolsa de estudos para a Itália (de um ano), larguei tudo e fui passar um ano estudando na Itália. Larguei emprego em colégio classe A, emprego em escola do estado, emprego em escola de surdos. Sim, me chamaram de louca.
Quando voltei, depois de uma experiência enriquecedora na Europa, estava a fim de dar um tempinho e descansar, mas quinze dias depois da minha volta, já estava dando aulas de italiano, e nunca mais procurei nada em Biologia, e também não apareceu.
Em compensação, as aulas começaram a aumentar (também as particulares) e alguns pedidos de tradução. Mas sempre fui mais professora do que tradutora.
Até que casei, vim para Santo André, comecei a dar aulas aqui também, engravidei, tive meu filho e parei por quase três anos, com tudo. Fui ser mãe em tempo integral.
Nas horas vagas, fuçava na internet. O trabalho parou, mas a cabeça, nunca. Até que descobri o Orkut, que naquela época era uma novidade. E lá, descobri a 50302, que mudou a minha vida. Aprendi muito com os colegas, aprendi a realizar cada trabalho com competência, estar atenta às oportunidades e ligada no que está acontecendo, no mundo virtual e real. Comecei a estudar mais sobre tradução e com a rede de contatos aumentada, os trabalhos começaram a aparecer.  Uma indicação aqui, outra ali, e descobri que era aquilo mesmo o que eu queria fazer.
Depois de o meu filho ter crescido um pouco, ainda fui fazer o mestrado, que proporcionou mais uma bolsa para a Itália e mais contatos, que deu como fruto a minha dissertação, produto de todo esse estudo, que começou lá atrás.
Das indicações dos amigos, consegui o meu maior filão, duas séries de livros infanto-juvenis para uma editora.
E aí você deve estar pensando: mas por que ela está me contando tudo isso?
Porque, ao contrário da crendice popular, não acredito que a gente “vira” tradutor, que é só saber um pouco de uma língua estrangeira e alguém já pode se chamar de tradutor. Na verdade, a gente vê isso por aí, mas bons tradutores têm uma história, ou estão construindo uma. Não fazem bicos, não estão dando um tempo entre um trabalho e outro.

Tradutores de profissão e talento conhecem bem uma língua estrangeira, conhecem melhor ainda a própria língua, buscam aprender e se aperfeiçoar a cada dia, nem que seja lendo um artigo durante cinco minutos na internet, todo dia. Participam de cursos, encontros, aprendem a usar novas tecnologias e a aumentar a produtividade e estão sempre na frente do computador e atentos.
Parece vida de super-herói, não é? E é mesmo, se você pensar que ainda cuidamos de casa, de filhos, de família, de mil coisas no dia a dia. Se você pensar bem, nós somos os heróis de nossas próprias vidas.

Como você viu, eu não tenho a receita do bolo, o caminho das pedras e não sei dar o pulo do gato. O que funcionou para mim pode não funcionar para você, e vice-versa.
Mas uma coisa é fundamental: ter sorte e talento. Ou “virtù e fortuna”, como diz o Danilo Nogueira. Um não funciona sem o outro. A sorte pode te abrir uma porta, mas só o talento vai mantê-la aberta.

Aí você pergunta:
[...] como se faz pós numa área totalmente diversa da graduação? Isso é possível assim, simplesmente, ou necessita de alguma "transição"?

De certa forma, já te respondi ao contar a minha história, mas acho que algumas informações mais práticas vão ajudar. No caso da Pós em Letras – Italiano da USP, não é “proibido” alguém de outra área fazer a pós. Mas note que, no meu caso, eu já tinha uma história paralela construída em relação ao idioma italiano. E para me aproximar da universidade, tinha feito uns cursinhos extras lá e também uns contatos na área. Acho que, dependendo do orientador, se você tiver um bom projeto, mostrar que sabe pesquisar e passar nos testes oficiais da faculdade, tem grandes chances de ser aceita. E, além disso, a biologia me ensinou a pesquisar, o método científico, a lógica. E isso serve para qualquer tema, não acha?

 E como tradutora formada em Biologia, traduzes algo relacionado a essa área, ou pelo menos, do ramo científico?
 
Por incrível que pareça, de biologia mesmo não traduzi nada. Traduzi de medicina, mas não gostei muito. Mas nos livros que eu traduzo, sempre aparece algo que “puxa” pelos meus conhecimentos de biologia (e de outras áreas também). Para o tradutor profissional, não existe “cultura inútil”. Toda informação vira referência, caminho para pesquisa.

Ainda outra questão: tradução de literatura infanto-juvenil tem mercado no Brasil (pessoalmente acredito que sim, mas não tenho ideia de como ingressar nele...)?

Acho que a literatura infanto-juvenil tem mercado sim, e a meu ver, está até crescendo. Isso só observando de fora do mercado editorial, ou na periferia desse mercado. Não posso afirmar em números, mas não é difícil perceber que as crianças e adolescentes estão consumindo mais livros. Dê uma passeada nos setores infantis das livrarias, você vai ver crianças e pais lendo e comprando bastante. Percebo também um aumento no número de colegas que contam que estão traduzindo mais literatura infantil e juvenil.
Anote as editoras que traduzem literatura infanto-juvenil, faça um bom currículo e comece a mandar. Procure tradutores que trabalhem para essas editoras e comece a trocar figurinhas. Pesquise, interaja. É claro que o inglês é a língua mais traduzida, mas existem boas obras em outras línguas também. Precisamos ajudar a fazer o mercado descobrir esses outros filões.
Tem uma pergunta que você não me fez, mas que acho que está lá no fundinho querendo sair, então já vou respondendo:
Não fiquei rica com a tradução, não conheço nenhum tradutor que tenha ficado. Mas conheço gente que vive bem, outros que estão se firmando. Para mim, é a minha profissão do coração, e além do mais, uma profissão “possível” para a minha vida, com filho ainda pequeno, onde posso usar plenamente os meus potenciais e me sentir realizada, sem precisar perder tempo no trânsito, voltar nervosa e estressada e não poder fazer mais nada.
Nós, os tradutores, podemos não ser ricos, mas quer saber de uma coisa? Não conheço nenhum tradutor que esteja infeliz.
Espero ter podido ajudar um pouquinho.
Um abraço,
Roseli

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A sua profissão não existe


Cada vez que temos que fazer um cadastro é a mesma coisa…

Começa assim: Nome: Fulana de tal. Endereço: Rua dos Bobos, número zero. 
Telefone: xxxx0007 RG patatipatatatatá. Profissão: Tradutora 
 Um instante de silêncio recheado de perplexidade.
– Como?
– Tradutora.
A atendente olha na tela, preocupada. Mexe o mouse, para cima e para baixo, subindo e descendo a lista das profissões.
Por fim, exclama convicta:
– A sua profissão não existe.
Eu, já acostumada, penso: É, não existe. Eu sou apenas uma porção de ectoplasma querendo preencher um cadastro.
Comento com gentileza aparente e um pouco de amargura interna:
– É muito difícil constar “tradutor” em uma lista de profissões. (Mas cobrar o imposto devido o governo sabe, é claro.)
– Então vou colocar você como professora, afinal você pode dar aulas de inglês, não é?
Dois tiros certeiros no meu orgulho. Acabou de ser ferido mortalmente, pobrezinho.
– Não dou aulas (no máximo eu poderia vender, penso mordazmente) e sou tradutora de italiano.
– De italiano? Ai, que coisa liiindaaa! 
Essa é a segunda coisa mais frequente que ouço ao informar a minha profissão.
A atendente fala para a colega:  – Ela é professora de italiano, viu que “tudo”?
Já dando a batalha como perdida, explico pela enésima vez que não existem tradutores só de inglês, que traduzir uma língua e ensiná-la são coisas bem diferentes e que o tradutor está por trás de muitas coisas, provavelmente até do software de preenchimento de cadastro que ela está usando. E que sim, para mim traduzir é “tudo”, mas não é um sacerdócio. É uma profissão,como tantas outras.
Muitas vezes é uma batalha vã, em outras um ponto luminoso começa a brilhar no fundo do olho de quem ouve, e o entendimento começa a brotar.
Não foi o caso, desta vez.
– Já sei, vou colocar “Profissão: Outro”!
Quem sabe no próximo cadastro eu tenha mais sorte.

sábado, 10 de setembro de 2011

Ciao!

Uma das coisas mais importantes para quem quer aprender uma língua ou se atualizar é estudar no pais ou países onde essa língua é falada. Um período de imersão linguística promove um aumento de conhecimento e da capacidade de comunicação de maneira incrível.
Para a língua italiana, existem cursos ligados só ao idioma ou que unem o idioma a outras áreas de interesse, como a culinária,  a moda, a arquitetura e o design, por exemplo.
Porém, para ajudar nas despesas, uma bolsa de estudo é mais do que bem-vinda, vero?
O Oriundi, um jornal com muitas informações sobre a Itália, especialmente para quem não mora lá, tem uma lista de bolsas de estudo nessa página aqui.
Pesquise bem nas notícias, quem sabe você não encontra alguma coisa que "fa per te"?

La parola del giorno è: "fare per qualcuno" (servir, prestar, ser feito para alguém)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

L'emigrante alternativo

Dia desses, por um milagre desses que só a internet é capaz, encontrei totalmente por acaso no Facebook, um antigo colega professor de italiano e escritor, o Maurizio Bardoni, que mora em Porto Alegre e tem um blog onde ele divulga os escritos dele, L'emigrante alternativo.
O Maurizio tem vários contos muito interessantes no site dele, em italiano, e alguns tem tradução em português.
Contos não muito longos, ótimos para dar aquela descansadinha mental e algumas risadas, mas que depois deixam a gente refletindo um pouco sobre o que leu.
Para ter uma ideia dos dotes literários do Maurizio, uma palhinha da apresentação que ele faz de si próprio:

" E chi sarebbe costui?


Rio Grande do Sul, Brasile: Maurizio Bardoni è un professore d'italiano che vive e lavora, il meno possibile, a Porto Alegre. Nato a Lucca, nel giugno del 1959, se ne è scappato appena se ne è accorto. Ha viaggiato abbastanza per convincersi che vuole viaggiare di più. Conosce diversi idiomi, ma alcuni solo di vista. Secondo una sua eccentrica teoria, la lingua sarebbe uno dei modi più usati dagli umani per comunicare."
La parola del giorno è: costui (este, esta pessoa)